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Nota #8 - O nosso tesouro

Ainda nos tempos de Tamanduá (se você não entendeu a referência, antes de continuar, leia essa postagem AQUI), no meu auge do encontro com a produção de peças utilitárias, senti que meu trabalho precisava ter outra forma de comunicação com as pessoas, uma troca mais profunda, sigificativa e única. Assim, em outubro de 2020, abri espaço para o que eu chamei de "Minha peça tesouro", uma proposta de criação em conjunto com cliente. Na época, o cliente podia escolher entre apenas dois tipos de peças: caneca ou cumbuca, o que facilitava meu trabalho, já que eu deixava vários desses itens prontos para otimizar o tempo.


Os produtos podiam ser apenas dois, mas as possibilidades de customização eram infinitas. A ideia sempre foi transformar memórias em relíquias, aplicadas num objeto do dia a dia, como uma caneca. Aqui não se tratava mais das minhas lembranças, eu queria que outras pessoas vivessem isso também. E acredite, li muitos tipos de histórias, algumas propostas claras, outras completamente abstratas e os resultados finais foram sempre lindos.


As experiências da vida, amplitude de ideias e de emoções estão diretamente ligadas às relações com outras pessoas. Vivências que, boas ou más, servem de alicerce para construção pessoal. Para essa comunicação ser efetiva, é preciso estar presente de verdade, ser uma escuta atenta ao que o outro diz. As pessoas querem ser ouvidas, querem ser protagonistas no seu momento de fala, no dividir histórias importantes para elas.

Ouvir não é apenas deixar o outro falar, é também entender sobre si mesmo e sua capacidade de assimilar e se envolver com os diálogos, trazendo perspectivas completamente diferentes, baseadas na sua individualidade.


Foto: Aline do Espírito Santo

O espaço da Peça tesouro, antes de tudo, é de escuta. É onde o outro primeiro traz à tona e revive a memória e depois nós vemos ela novamente, juntos. A fala é sensível, às vezes causa choro, risadas altas, reflexão; é preciso ouvir com calma. A construção da peça vai além da montagem em si, pois leva em consideração todas as formas de expressão na narrativa.


"A arte da palavra, oral ou escrita, permite a transformação de um mundo de pensamentos, percepções, perguntas, intuições e afetos em comunicação. É manifestação expressiva que alguém dirige a si mesma e ao outro, que estabelece contatos. A arte da palavra requer o exercício da capacidade de transmutar imagens internas em configurações de linguagem, ordenadas poeticamente." (MACHADO, Regina. A arte da palavra e da escuta. 1ª edição. São Paulo: Reviravolta, 2015).

Nessa citação, um trecho me chamou muita atenção: "(...) capacidade de transmutar imagens internas em configurações de linguagem (...)". Ela me pegou porque vejo o trabalho da peça tesouro percorrendo essa transformação da imagem para palavra e, em seguida, da palavra para representação pictórica a partir do meu olhar.


Diferente do que algumas pessoas podem pensar, esse processo não impacta somente quem conta a história, ele desempenha também em mim e no meu trabalho uma potente carga de experiência e empatia, que desencadeia uma clareza muito grande sobre minha produção. E é dentro dessa movimentação intensa que a forma como eu me relaciono com a minha criação inevitavelmente vai mudando. Eu vou mudando. E por mais que a Peça tesouro tenha nascido pensando nos utilitários, hoje já não faz mais sentido ela estar ali. Por isso, eu precisei enxergar a Peça tesouro para além do objeto com função e sim, um trabalho que desempenha um papel muito mais importante para quem o recebe. A utilidade pode existir, mas não é mais o centro do projeto.


O tesouro virou projeto e, com isso, outras técnicas foram incluídas para contar essas histórias, como a pintura em tela de algodão e em papel. Antes, as pinturas eram aplicadas sobre as peças de cerâmica e interagiam com a forma do produto e agora, os elementos serão manifestados numa superfície (escultura) integrada com a fala ou que permite uma liberdade ainda maior de uso (tela e papel).



Revisão: Cassiana Gorgën

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