Nota #10: Corpo Edificado
- Aline Romero

- 8 de out.
- 2 min de leitura
O primeiro suspiro de vida fica por conta da forma como cada um percebe o começo do ser. Eu digo que é vida desde as primeiras multiplicações celulares, desde antes do bebê ser bebê e ainda ser dinossauro (se você não entendeu bulhufas é porque você nunca viu uma ecografia de 8 semanas, fica tranquilo!). Ainda muito pequeno no útero da mãe manifesta receptividade com os acontecimentos daquele gigantesco corpo-casa em que vive. Em pouco tempo, não apenas sua parte sensorial chama atenção, mas uma escuta privilegiada também é acionada. O que seus pais conversam, escutam. Sentem.
Passar nove meses dentro do corpo de alguém deve realmente ser uma experiência maluca! E não é por acaso que a gente esquece tudo depois que nasce, além de um cérebro imaturo e incapaz de registrar sensações e sons, o choque do nascimento quebra a continuidade da experiência uterina e acaba gerando uma espécie de recomeço nas percepções do mundo. Mas perder a memória uterina também diz respeito a se tornar um indivíduo à parte de sua mãe, que agora inicia uma jornada própria.
O nascer é cansativo e inesperado. Nascer é dar de cara com os primeiros fragmentos que vão entrelaçar nossas escolhas futuras, é reconhecer os primeiros vestígios familiares e se apropriar deles. E são nossos cuidadores as pontes para o reconhecimento desses símbolos. Os pais, que um dia foram apenas filhos de suas mães e igualmente foram parte delas por nove meses em seus ventres, agora cumprem o papel de construtores como seus pais já o fizeram. Há uma herança daquilo que foi vivido e aprendido ao longo das gerações, não há como apagar uma trajetória histórica familiar ou ignorar visões sobre as relações e o mundo. Entender esse caminho percorrido por nossos ancestrais é como colocar uma lanterna nas entrelinhas da nossa linha do tempo.
E é sobre isso que me propus a falar no meu trabalho chamado “Corpo Edificado”, uma performance em que minha mãe e eu olhamos e revisitamos nossa história, o tempo e nossas memórias, cada uma a partir do seu próprio entendimento sobre essa construção. Uma reflexão a partir da materialidade do barro moldado no corpo como mecanismo simbólico da criação de cuidadores com seus filhos.




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