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Nota #7 - A fala frágil

No ano passado, lá no meu instagram, uma menina fez um comentário curioso sobre uma das minhas peças. Sempre lembro dessa história, não porque o comentário foi ruim, muito pelo contrário, foi cheio de generosidade, mas ele me deixou inquieta justamente porque tocou no cerne do meu trabalho.


Eu tinha acabado de finalizar uma escultura de cerâmica, ela era linda, umas das minhas favoritas, cheias de elementos que falavam separadamente com o espectador. Acontece que ao sair do forno, prontíssima, ela quebrou uma base muito importante da estrutura. Fiquei frustrada demais e escrevi sobre isso numa postagem do Instagram. Falei sobre o trabalho com a cerâmica e de como ele pode nos levar para lugares incertos, já que o material também reage ao longo do processo. Um meio coletivo de desabafo e conexão com quem também vive a imprevisibilidade em qualquer outro aspecto da vida.


A fala do espaço. 2021. Escultura cerâmica. 22x18x17cm

Dentre os comentários, um me chama atenção. Iniciava me encorajando a fazer outra, mas dessa vez fosse algo que despertasse sorrisos nas pessoas e não lamúrias. Enfatizou sobre a beleza do meu trabalho e que usasse isso para espalhar felicidade.


Depois que li, confesso, fiquei quase 24 horas pensando e repensando. Cogitei não responder, não havia a menor necessidade, mas não consegui, precisei me manifestar. Aquela fala despertou em mim ainda mais consciencia sobre meu trabalho, portanto, agradeci o comentário e completei dizendo que entendia o ponto de vista, mas que para mim olhar as angústias possibilitava enxergar a felicidade com mais clareza.


Minha ideia aqui não é alimentar rancor por alguém que usou sua liberdade de fala e sim, usar esse apontamento para ampliar a reflexão sobre vulnerabilidade. Não é raro, em eventos, eu escutar das pessoas o quanto certo trabalho meu deixou elas com medo, angústiadas, reflexivas, emocionadas. É o momento que eu percebo a eficiência das minhas produções, as pessoas entendem o tema, sentem a atmosfera do trabalho e, eventualmente, se identificam com algum aspecto dele.


Para mim, mergulhar nas camadas obscuras da minha história é uma das principais características do meu trabalho. Olhar para dentro de mim e a sair de lá com uma pilha de rascunhos e histórias sobre como, pra mim, é viver aquilo. Não acredito em felicidade absoluta, mas numa coleção de momentos inundandos de sentimentos diversos que vivem em altos e baixos porque, assim como a vida, eles não são constantes. Cada dia mais percebo que estrangular emoções como a raiva ou tristeza acaba borrando a percepção dos momentos de felicidade. E que virar as costas para o lado sombrio é negar a possibilidade de compreenssão total da própria essência.

Sem nome. 2022. Acrílica sobre papel. 29x21cm

Com o passar dos anos entendi que meu trabalho é sobre pegar uma pá nas mãos, desenterrar memórias e desmembrar os pedaços em centenas de outros fragmentos menores. Compartilhar não é apenas uma opção, mas também parte essencial do meu processo, aquela que conecta uma voz na outra. Momento em que uma pessoa fala e outras se veem num abraço comunitário ou talvez se sintam absolutamente revoltadas e contrariadas, mas, no fim, sintam algo, questionem algo.


O acesso ao caos das lembranças não é fácil, rápido, ele nem mesmo é obrigatório. É como uma queda livre à espera pela hora em que o fluxo muda e você começa a levantar voo. Dolorosa, mas ainda sim me parece a melhor trajetória para compreensão (ou ao menos a tentativa) de aspectos e acontecimentos específicos da própria vida. E hoje, tenho absoluta certeza da importância de como vivo e transbordo minha vida, minha arte e tudo de mim.


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